sexta-feira, 13 de maio de 2011

Samariquinha se inspira e divulga: Jacirema Ferreira

Jaci e Magri

Esta coluna anda bem atrasada, eu sei. Não publiquei nada durante o mês de abril, mas já tenho agendada algumas novas entrevistas.  Aguardem! A revista Decora Baby do mês de março ressaltou que uma das coisas bacanas no blog Samariquinha é a divulgação de artistas de várias áreas e para não fazer feio, escolhi a dedo a terceira entrevistada, a psicanalista e bordadeira: Jacirema Ferreira.

O que mostro hoje foi mais um achado, fruto das minhas andanças pela Internet, mas dessa vez, posso dizer que a conheci pessoalmente durante a sua primeira exposição. Fiquei tão encantada com a força do trabalho da Jaci que não tive dúvidas, fui até a Lapa conhecer essa artista.

Agora é a sua vez de apreciar não só as entrelinhas do trabalho, mas da vida dessa mulher, amante do bordado, que aprendeu com a linha e a agulha a criar um mundo paralelo, cheio de beleza e subjetividade. O melhor de tudo? Ela ainda ensina o caminho das pedras!

1-Como a psicanalista virou bordadeira? Como e quando as linhas e agulhas passaram a bordar o seu cotidiano?

Filha de costureira, muito cedo minha mãe me ensinou a fazer os acabamentos nas peças. Ao longo do primário, freqüentei aulas particulares de bordado. Com uma senhora portuguesa, desvendei os segredos dos pontos da Ilha da Madeira. Mais tarde, aprendi a fazer crochê e tricô e ainda várias técnicas artesanais: macramê, pintura em tecido, tela e cerâmica, louça portuguesa, etc. Ávida por conhecimento, sempre li muito, mas em paralelo à atividade intelectual minhas mãos ansiavam pelas atividades artesanais. 


Há cerca de oito anos, descobri o patchwork à mão e me encantei com a técnica do crazy; junção aleatória de retalhos realizada com pontos de bordado. O contato com os fios recuperou as memórias de infância e o prazer de descobrir pontos e cores. Quase à mesma época, conheci o trabalho do Matizes Dumont, me tornei amiga da família e participei de vários workshops com Sávia. O contato com os membros deste grupo descortinou um mundo mágico para mim, espaços onde as criaturas coabitam em harmonia e remetem a tempos mais felizes, aqueles onde havia jardins e balanços para as crianças brincarem em liberdade, pular amarelinha e girar os bambolês. Quando se trocava bolos e confidências com a vizinhança e havia solidariedade e confiança. 
É este universo que busco transpor para meus bordados, uma tentativa de insuflar esperança nos corações e alertar para a nossa responsabilidade em colaborar para a restauração do equilíbrio da natureza e para constituir ambientes mais humanos e acolhedores.


 
2-Como você alimenta o seu espírito de criadora? E como funciona o seu processo de criação?
Minha maior fonte de inspiração é a natureza. No meu “espaço sagrado” no interior gosto de apreciar os ciclos da vida: os pássaros típicos de cada estação, o nascimento de uma borboleta, uma flor que desabrocha. Quando escurece os pirilampos iluminam a noite com pequenos pontos de luz, um espetáculo precioso. Estas imagens enriquecem meu imaginário e se transformam em luas, estrelas e flores em meus bordados. 

3- Você como psicanalista vê o ato de bordar também como algo que pode ser aliado à terapia?

Sim. Considero que qualquer atividade manual tem um efeito terapêutico, pois propicia um recolhimento natural, tão necessário nestes tempos de estímulos constantes.  Meu mestrado em Psicologia Clínica na Universidade de São Paulo versa sobre o uso daquilo que denominamos “materialidades mediadoras”: atividades manuais que favorecem a emergência do self verdadeiro do paciente, a gestualidade espontânea e a recuperação da criatividade, fundamental para a manutenção da saúde. Em resumo, meu trabalho clínico visa proporcionar que o paciente reconquiste sua capacidade de viver espontaneamente, sem o automatismo e a superficialidade impostos por um sistema capitalista, na qual o consumo e o descarte de coisas e pessoas são estimulados. Este processo cruel gera uma precariedade afetiva intensa uma vez que todas as relações são permeadas pela premência de se aproveitar tudo o mais rápido possível. Meu intuito é, ao contrário, restabelecer um outro tempo, aquele onde é possível desfrutar as experiências de forma plena, integrada e profunda, onde o contato com o mais verdadeiro e essencial à fruição da existência se torna possível. 


Nas oficinas de bordado toda esta compreensão está subjacente, permitindo que haja um diferencial importante em minhas aulas. Abaixo você encontra um texto preparado para o workshop realizado em Belém.



Acolhimento: Substantivo masculino que, no Workshop “Bordando Memórias”, ludicamente adquire características e sentidos mais afeitos ao feminino. Em um ambiente favorável, as mãos, habituadas a vários afazeres, refazem o gesto ancestral de acariciar o tecido traçando as linhas de sonhos guardados na memória. Nos olhos se refletem as cores de lembranças que integram o cenário afetivo de cada participante. Em cada ponto se compõe uma história única. O fazer conjunto, espaço privilegiado para o desenvolvimento da criatividade, permite a re-união de aspectos essenciais para a manutenção da saúde. 

Mais do que bordar, o que se aprende é a escutar a própria melodia e a traduzi-la em tons e texturas; suaves como as linhas de um jogo de amarelinha ou vibrantes como o rubro de um inesquecível pôr-do-sol. Bordando memórias: recordar é colocar novamente no coração.



4- Seu trabalho mistura poesia e bordado em tecidos que se transformam em telas. Fala sobre as técnicas usadas nesse processo.
Trabalho com bordado livre, utilizando os pontos de forma criativa, criando composições inusitadas e sem o rigor técnico que nos obrigava a um avesso perfeito, por exemplo. Esta abordagem é traduzida poeticamente por Jorge Vercillo em uma letra em homenagem ao trabalho das Dumont:



O mais importante do bordado
é o avesso
é o avesso
O mais importante em mim
é o que eu não conheço
O que eu não conheço
O que de mim aparece
é o que dentro de mim Deus tece


A poesia sempre me acompanhou; autores como F. Pessoa, Adélia Prado, Manoel de Barros e outros. Foi uma decorrência natural a presença deles nos bordados. 

5- Além dos quadros você desenvolve outros produtos, ou dedica-se apenas aos mesmos e aulas?
Tenho feito várias peças, além dos quadros: travesseiros para bebês, lençóis, almofadas e peças de vestuário: vestidos, saias e batas.





 
6- Fala sobre as exposições que você já fez e os planos para a próxima.
Minha primeira exposição individual foi feita em fevereiro no Flores na Varanda, em São Paulo. O evento foi um sucesso, graças à presença dos amigos que o prestigiaram. Como decorrência realizei ali durante os dois meses seguintes várias oficinas, as quais estou dando continuidade no ateliê. No momento, as peças estão expostas em uma loja em Botucatu a Haus Design, Decoração & Arte onde serão realizados workshops nos dias 28 e 29 de maio. Na seqüência retornarei à Belém por uma semana, no Ateliê das Artes de Gessi Delvaux. Nos primeiros encontros em março tivemos 14 participantes, gerando este novo convite. 
 

7-Você também desenvolve workshops e ainda traz outras artistas do bordado para ensinar no seu atelier. Como funciona isso?Aproveite para divulgar os próximos eventos.
Tenho me valido de minha experiência como coordenadora de eventos no passado e do vasto mailing constituído para realizar alguns eventos. O Ateliê Retalhos etc e tal tem promovido a vinda de artistas de outros estados: Ana Vergara de Brasília realizou três dias de oficinas em novembro/2010, em março de 2011 foi a vez de Marilu Dumont e nos dias 30/06, 01 e 02/07 Sávia Dumont ministrará dois cursos.  Este espaço está disponível para qualquer artista que deseje utilizar a minha infra-estrutura para divulgar seu trabalho. Acabei de ampliá-lo, tornando possível acomodar grupos com 10 componentes de forma confortável. 

8- A escritora Hilda Hist tinha a sua casa do sol, no interior de São Paulo, a qual se transformou num reduto de criação literária. Você tem uma casa também no interior e soube que existe a intenção de juntar mulheres bordadeiras e inventar dias de bordado coletivo ali. Fala mais sobre esses desejos.
Este é um desejo prestes a ser realizado no segundo semestre de 2011. De acordo com a sabedoria popular, “a união faz a força” e creio que um espaço coletivo desta natureza auxiliaria na disseminação de nosso trabalho além, é claro, de possibilitar um ambiente favorável a ricas trocas.


9- Temos visto que depois de décadas, a mulher aos poucos tem voltado para os trabalhos manuais, como o bordado, sem vergonha alguma de assumir-se bordadeira. Muitas conseguem viver dessa tarefa. Você se inclui nesse grupo?
Hoje, ainda concilio minha atividade clínica com as aulas e workshops. Mas tenho me empenhado para, num futuro próximo, me dedicar apenas ao exercício deste ofício de bordadeira. 

10- Uma das coisas mais difíceis para quem decidiu apostar na arte é a parte organizacional. Montar atelier, administrar seu negócio, ainda é uma tarefa difícil para maioria. Teria algum conselho para quem está pensando em investir no próprio talento?

De fato também noto esta dificuldade já que a maioria dos artistas não está familiarizada com os aspectos organizacionais necessários à divulgação de seus produtos. Neste aspecto sou privilegiada, pois durante muito tempo exerci funções nas quais estas habilidades eram requeridas, tornando possível o trânsito entre estes universos tão distintos.  Contudo, nem todos tiveram esta oportunidade. Nesse caso, creio que a melhor opção seria delegar estas tarefas de modo a poder se dedicar com exclusividade à criação. 



11- O que você está bordando atualmente?

Como é habitual entre nós, estou envolvida com vários projetos: uma grande mandala com trechos de minha história, o quintal de minha infância, projeto derivado da vinda de Marilu Dumont que terá continuidade em junho e dois bordados que pretendo levar para Belém. 

12. Quais são os dias e horários das aulas no seu ateliê e onde ele fica?

Tenho alguns grupos em andamento no ateliê. Às segundas feiras, das 13h30 às 16h30 e quintas das 9h às 12h. Com a crescente demanda abri um novo grupo, também às quintas, das 13h30 às 17h30. O ateliê fica na Rua Coronel Melo de Oliveira, 809 – Vila Pompéia. Além disso, mensalmente tenho dois grupos no ateliê Idéias a Fio, na Rua Brentano, 476 – Vila Leopoldina. O próximo encontro será no dia 21.05.  No período da manhã a aula é das 9h às 13h e à tarde das 14h às 17h. Tenho também uma oficina programada para o dia 22.05 – domingo – com carga horária de 6 horas, “Aquarela sobre linho e bordado”. O primeiro período será dedicado a aquarelar o tecido e no segundo iniciaremos o bordado. Para detalhamento de quaisquer das propostas, basta entrar em contato.



Para conhecer e adquirir as obras da artista:

Telefones 11 3875.06.96 ou 7216.76.78, ou pelo email: jaci@retalhosetcetal.com


Peço perdão a todos que desde quinta feira, dia 11, deixaram comentários ou tentaram ler a entrevista e não conseguiram.Ouve um problema técnico no Blogger e aos poucos está voltado ao normal.Não consegui salvar nada de comentários, o que foi uma pena!



7 comentários:

  1. Que lindos esses bordados! Qta vida em cada detalhe!!! Parabéns à artista!!!

    abraçossss

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  2. Oi Michelline
    Amei a entrevista.
    Cada coisa linda ela faz e tão singela...bem como nossas avós mesmo.
    Parabéns pela entrevista, o seu lado jornalista faz muito bem nessas horas.
    beijos

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  3. Oi Mi, parabéns por este espaço delicioso, é tão bom conhecer a trajetória de vida dos verdadeiros artistas que encantam nossa vida com poesia em forma de ARTE, pois em qq segmento notamos que a beleza flui da alma. Maravilhoso o trabalho da Jacirema,são maõs de fada que enfeitam o cotidiano, bordar a própria história , então é demais.Bjs, Madá.

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  4. Maravilhosa entrevista. AMEI. Parabéns Micheline, parabéns Jaci...

    Vou divulgar pois vale muito a pena.

    Abraços e carinho

    Alexandre Heberte

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  5. Obrigada pelas carinhosas palavras. Beijus no coração JACI

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  6. Parabenizo a autora do blog e a Jaci pelo belo trabalho de divulgação de prática do "artesanar" como costumo chamar o ato de praticar artesanato com intuito de promover uma vida mais sã. A entrevista está muito rica, mas me tocou muito quando se destacou o principal objetivo das oficinas de bordado promovidas pela Jaci: ouvir a melodia interna e expressá-la por meio de cores e texturas. Lindo demais!

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  7. OI Micheline,
    que entrevista legal! e o trabalho dela é maravilhoso, original e muito rico!
    parabéns à vcs duas!
    bjos
    Andreia
    artedacaixa.blogspot.com

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