Junho foi um mês corridíssimo aqui no atelier. Viajei e sequer tive tempo de publicar uma das coisas que mais amo nesse blog: A coluna Samariquinha se inspira e divulga. Mas para abrir julho com chave de ouro, trouxe lá das Minas Gerais, o talento e o patchwork de: Carla Pianchão.
Patchworqueira assumida,só trabalha com cores fortes, mãe do gato Romeu, personagem de pano criado por ela, Carla nos conta como sua marca conseguiu o selo do Instituto de Qualidade Sustentável, como se organiza no seu dia-a-dia de mãe e dona de casa, assim como superou aos dissabores causados por cópias polêmicas do seu trabalho.
A entrevista foi feita por e-mail, mas parece um bate papo entre amigas, degustando um café quentinho com pão de queijo. Tenho certeza que vamos todos aprender um pouco mais com a experiência e dicas valiosas citadas por ela nessa conversa virtual.
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Até a etiqueta é feita à mão |
1-Foi estudando num colégio de freiras que você descobriu que mexer com linhas e tecidos era algo que enchia o seu coração de alegria. Como foi que você já adulta começou a trabalhar de verdade com isso? Sempre foi fonte de renda? Conta um pouquinho dessa tua trajetória.
Lá colégio de freiras eu descobri minha habilidade para trabalhos manuais com a saudosa Madre Antônia. Percebi que aquela era literalmente a minha praia, mas ainda não tinha definido qual era o material que fazia minha cabeça, mesmo porque quando somos jovens nada é muito definido.
Fui educada para casar, e como a maioria das moças da época, fiz magistério, mas acabei não seguindo a carreira de professora. Fui bancária durante dez anos e secretária de recursos humanos em uma multinacional durante mais dez.Entre esses dois momentos tive uma máquina de costura e me atrevia a fazer umas bolsinhas que aprendi praticamente sozinha. Os trabalhos manuais viraram passa tempo dos finais de semana. (Minha mãe costurava muito bem e fazia todos os nossos vestidinhos, somos quatro irmãs).
Quando tive meu primeiro filho, João Igor, hoje com dezesseis anos, depois de cinco anos de tratamento para engravidar, dei meu grito de liberdade, joguei tudo pro alto, um bom salário, uma boa empresa, e mergulhei de cabeça no artesanato, e nunca me arrependi, faria tudo outra vez.
2-Você atualmente desenvolve peças em patchwork. O que te moveu a trabalhar com essas técnicas?
Dei algumas voltas pelo mundo das artes antes de descobrir e me apaixonar literalmente pelo patchwork.Quando minha Maria estava com quatro meses,resolvi fazer uma bolsa para carregar toda aquela "bagagem" cada vez que íamos sair com as crianças, e foi aí que tudo começou.Fui me empolgando, até que um dia comprei por acaso uma revista de patchwork porque trazia uma bolsa na capa, fui aprendendo e me familiarizando com a técnica, praticamente sozinha, até que resolvi fazer o meu primeiro curso básico.Apaixonei-me perdidamente pelos tecidinhos e gastei todas as minhas economias em material, que antes só existia importado e os preços eram bem salgados. Com a prática fui me sentindo mais segura e me atrevendo a misturar o que aprendia com o que eu criava e fui colocando cores fortes, que sempre foram minha paixão, e acabaram virando minha marca.
3-Onde você alimenta a sua veia criativa? Costuma participar de cursos e workshops?
Se estou feliz, leve e solta, as idéias fervilham, saltam, brotam, é quase uma mágica, mas se isso não acontece forço a barra e faço acontecer, afinal preciso da grana.Como eu faço isso? Revirar minhas caixas de tecidinhos é como revirar meu lado criativo e buscar lá no fundo algo diferente, isso sempre me ajuda. Dar uma geral no cantinho de trabalho costuma dar bons resultados. Tenho vontade de fazer alguns cursos, mas raramente tenho tempo disponível.
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Um cantinho do atelier |
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4-Você ainda trabalha em casa? Como é dividido o teu dia de mãe, esposa e dona da marca Carla Pianchão?
Eu cuido de tudo na minha casa. Por necessidade, aprendi a gostar de cuidar da casa, fico brincando comigo mesma, de bater meu próprio recorde e fico tentando todos os dias arrumar tudo no menor tempo possível, para poder costurar. Quando estou lavando vasilhas, por exemplo, imagino que aquela água e aquele sabão que está limpando os pratos estão levando embora tudo o que me incomoda e deixando o caminho limpo para coisas boas que virão, parece loucura, mas funciona.
Ainda cuido das minhas plantas e não abro mão das minhas gorduchinhas (suculentas). Só vou para a máquina de costura quando minha casa está toda arrumada. Meus filhos já estão grandinhos, ficam mais tempo na escola do que em casa, meu marido trabalha do dia todo, e eu tenho uma secretária uma vez por semana.Hoje parece fácil, mas precisei de alguns anos até chegar a esse ponto. É preciso muita disciplina e organização para se trabalhar em casa e principalmente de horário. É claro que tem dias que nada funciona, mas normalmente tem dado certo.
5-Você trabalha com encomendas ou pronta entrega? Por que?
Imagine se o maravilhoso estilista Ronaldo Fraga aceitasse encomendas, com certeza ele nunca mais teria tempo para criar suas coleções. Pois é, é mais ou menos isso que acontece quando trabalhamos com encomendas, não temos mais tempo para criar. Sinto-me com as mãos amarradas, me sinto um robô obedecendo a comandos.Quando eu comecei só trabalhava com encomendas, criava uma bolsa, aí eu recebia a primeira encomenda, a cliente queria uma igual, mas no lugar do laranja ela queria roxo, e “avacalhava” toda minha criação, mas eu fazia. Na segunda a cliente perguntava se eu podia colocar o gato virado para a esquerda e eu mudava tudo para agradar o cliente, e assim ia levando, trabalhando dia e noite com horário marcada para entregar, sob pressão, e meu lado criativo ia adormecendo e eu me frustrando. Não consigo mais trabalhar assim.
Vou todos os dias para o meu cantinho, corto recorto e me jogo inteira no meu processo de criação, sem pressa, sem tempo marcado, preciso dessa liberdade, desse momento, curto tanto tudo isso que quando termino uma peça ainda tenho que trabalhar o desapego senão demoro a vender.É mágico, se faço uma borboleta quase consigo vê-la voando, e quando me refiro ao “meu” gato Romeu, é porque na minha cabeça ele é meu e sempre será, também tenho paixão por minha Maria Magricela com seu cabelo de laquê...
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Maria magricela |
Abrir mão deste momento é como ficar sem respirar, é como não poder ver o céu ou nunca mais sentir o sol queimando minha pele.Mesmo quando atendo lojistas não trabalho com peças repetidas.Quanto à grana, cada um tem que ver o que é mais importante, talvez trabalhar com peças de pronta entrega não dê tanto retorno financeiro como as encomendas, mas é tudo uma questão de se adaptar. Quando alguém me pergunta se eu ganho dinheiro com artesanato eu respondo que não fico sem dinheiro.
6-Carla você em uma entrevista há algum tempo afirmou:Quero crescer, mas ao invés de ter muitas máquinas funcionando, quero ter muitas pessoas, bordando e quiltando à mão. Você já tem uma equipe trabalhando contigo?
Ainda não consegui montar a equipe dos meus sonhos, as pessoas querem ganhar dinheiro, mas não querem fazer com amor, já tive ajudante que não sabia manusear uma tesoura e quando ela aprendeu muito mais do que isso, foi embora, e isso faz parte e acontece quase sempre. Não tenho uma equipe, mas épocas específicas quando quero fazer um estoque ou quando preciso atender um lojista terceirizo alguns serviços.
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Produção de bolsas, nenhuma igual |
7-Em meio a tantos trabalhos em patchwork que aparecem diariamente na Internet, o seu diferencial parece ser mesmo o jeito peculiar que você cria complementando a técnica do patch com outros ingredientes. Aproveita e fala sobre o seu jeito de fazer patchwork.
Já falei um pouco como é o meu processo, mas acho que a palavra que melhor define meu trabalho é liberdade. Se eu puder fazer, se me deixarem literalmente viajar no momento da criação costuma sair algumas coisas bem legais. Tenho algumas particularidades, não consigo criar com barulho, com gente por perto, por isso deixo a parte de criação para o horário que as crianças estão na escola.
8-Qual foi a maior dificuldade que já apareceu na trajetória da sua marca até hoje?Como você resolveu?
A minha maior dificuldade foi enfrentar as cópias, e isso começou a acontecer quando fui para o mundo virtual. Acho que todo mundo pode fazer uma bolsa de lona com patchwork, ou um gato, mas não custa nada dar um toque pessoal, mudar um detalhe, uma cor. Sofri muito ao ver meu gato sendo ensinado em uma revista de 1,99 no Brasil inteiro, mas hoje estou mais tranquila em relação a esse assunto, nem gosto muito de falar sobre isso, acho que as pessoas que copiaram e que ainda copiam o meu trabalho ajudam na divulgação.
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Produção de gatos Romeu |
Depois de alguns anos divulgando meu trabalho e minha marca, as pessoas já reconhecem quando se trata de uma cópia. Acho que sempre vai existir gente que copia, mas em contrapartida vai sempre existir gente que cria. O conselho que sempre dou, quando me pedem, sobre esse assunto é que quanto mais você for copiada, mais você deve mostrar e mais você deve divulgar, e com o tempo as pessoas vão aprendendo a identificar as cópias.
Sinceramente não sei se há uma solução, os grandes artistas, infinitamente mais ricos que eu, sofrem com cópias piratas de seus cd’s e não conseguem se livrar disso, em todas as cidades existem lugares que eles chamam de shopping popular onde você encontra cópia de tudo, desde perfumes de marcas famosas até roupas e acessórios que algumas vezes nos enganam por serem cópias quase perfeitas, eles copiam marcas que são registradas, e por mais fiscalização que exista, e apreensão dos produtos, eles sempre retornam para o mesmo lugar com outros produtos copiados. Enquanto as pessoas comprarem e prestigiarem quem copia, isso não vai ter fim.
9-Sua marca já recebeu a certificação do IQS(Instituto de Qualidade Sustentável). Como aconteceu e o que mudou na sua vida profissional? Qual o caminho para conseguir esse selo de sustentabilidade?
O selo IQS, mudou tudo na minha vida de artesã. Desde a minha preocupação com o planeta, com o aproveitamento de sobras de material, até a organização do meu espaço e principalmente do meu tempo. Faço parte de uma associação e fui convidada para participar deste processo/ auditoria, que durou mais ou menos três meses e depois que fiz as mudanças solicitadas pelo auditor recebi o selo.Quem quiser participar tem que entrar em contato aqui em BH com a Central Mãos de Minas para maiores informações.
10-Na sua opinião é realmente viável viver de artesanato?
Sinceramente eu não sei responder se é viável viver de artesanato. Tudo depende do que você espera da sua vida, da importância que a sua arte tem pra você, e do lugar que o dinheiro ocupa no seu caminho. Se pra você o dinheiro é o mais importante, então acho que o artesanato não é uma boa.Acho difícil alguém enriquecer fazendo artesanato, mas conheço pessoas bem próximas a mim, que conseguem se manter com o fruto de suas artes, pessoas que compraram carro e pagam contas.Eu consigo tirar o necessário para me manter, e como não tenho que fazer as despesas da casa, posso trabalhar mais tranquilamente, mas se precisasse com certeza eu conseguiria me manter com o básico que uma pessoa precisa para viver. Viver de arte é uma opção, e antes de tudo é um prazer que não tem preço.
11-Como costuma comercializar seus produtos?Que conselhos dá para quem está começando a comercializar?
Bom, eu não sei vender e morreria se tivesse que cobrar a alguém, por isso fui para no mundo virtual. Acho que mesmo com alguns contratempos, vender pela internet ainda é a melhor forma, mais do que participar de feiras. Hoje existem várias maneiras e caminhos na net, para você divulgar o seu trabalho. Comecei no flickr, mas hoje uso mais o blog para divulgar e a loja virtual para vender. Hoje tenho alguns lojistas, frutos de contatos em feiras que me dão um retorno razoável, fora isso assim que as peças vão ficando prontas vou colocando na loja. Mudei de casa recentemente e fiquei um tempo afastada da net, atendendo apenas lojistas, mas estou retomando meu trabalho e me organizando já pensando no natal.
12-Você tem algum produto que é a verdadeira cara da sua marca? Aquele que as pessoas olham e já identificam como feito por você?
As bolsas de lona com patch são sem sombra de dúvida a minha marca, as pessoas reconhecem de longe, mas é claro que eu não posso esquecer-me do meu gato Romeu, que apesar de muito copiado, todo mundo sabe que é meu.
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O gato Romeu em canecas |
13-Além de peças super criativas e muito coloridas você ainda escreve poesia no seu blog. O que mais sai da cartola da Carla?
Não gosto de dizer que faço poesias, tem medo de ser denunciada pelos verdadeiros poetas...Apenas gosto de escrever de brincar com as palavras. Tem um fato muito engraçado que aconteceu comigo. Uma vez resolvi escrever sobre casamento/separação e recebi uma montanha de e-mails de pessoas me consolando e dando força, achando que eu estava me separando... Mas eu continuo casada há 21 anos. Se o dia tivesse 48 horas com certeza sairia muita coisa dessa cachola, mas tenho que frear minha imaginação senão fico sem dormir.
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Detalhes caprichados |
14-Você ministra aulas ou workshops?
Muito em breve vou começar a ministrar um curso básico de patch, que foi adiado por causa da mudança de casa.
15-Onde podemos adquirir seus produtos?
Como disse anteriormente, por causa da mudança fique afastada da net, mas estou retomando meu trabalho que muito em breve vou divulgar no blog e no elo7.